Educação Fiscal: o que fazer com as crianças ?

Com certeza muitos brasileiros acreditam que nossas crianças são o futuro da nação. Que se as orientarmos corretamente poderemos ter dias melhores, já que os dias de hoje, para a maioria, parece ser um tempo ruim, onde a criminalidade é alarmante, recursos públicos são desviados e impera a desigualdade entre as pessoas. Parece, ouvindo as pessoas se expressarem, que somos vítimas de uma situação que vem de muito longe, e é difícil de mudar, de modo que nossa alternativa é investir nas crianças, e esperar que elas nos tragam no futuro um mundo mais justo e compatível com aquilo que merecemos. Por isso é que se fala tanto no papel fundamental da educação, e como ela pode melhorar a situação presente.

João Batista Mezzomo

Está certo, investir em educação é importante. Porém, não devemos nos esquecer que o conceito de educação não se restringe apenas à educação formal. Sabemos como as crianças aprendem com o exemplo, mais do que com palavras. De nada adianta uma criança ouvir belas palavras de seu professor sobre a importância da família se sua vida é uma selva. Mais fácil nesse caso é acontecer de ela levar a selva que é sua vida familiar para dentro da sala de aula. Da mesma maneira, de nada adianta gastar tempo e dinheiro ensinando as crianças sobre a importância dos tributos, se o mundo adulto não acha isso e entende mesmo que pagar tributos é jogar dinheiro pela janela. É muita ingenuidade achar que as crianças vão mudar o mundo adulto. Antes, é o mundo adulto que faz crianças iguais a si mesmo.

O que ocorre aqui, no âmbito da tributação e de como a sociedade brasileira a percebe, é que nós que somos oriundos de secretarias de fazenda cometemos um pequeno equívoco. Nós não percebemos que em casos importantes para as pessoas em geral quem comanda não é a criança, mas o adulto. E as crianças costumam acreditar em muitas coisas que depois esquecem, quando se tornam adultas. Por exemplo, elas acreditam em Papai Noel, Coelhinho da Páscoa, e que as crianças são trazidas por cegonhas. Mas tão logo elas se tornam adultas deixam de acreditar em tais disparates. Pois, apesar de não pararmos para pensar em tais sutilezas, é fundamental para nossa sociedade que não se acredite nisso, caso contrário teríamos uma sociedade de indivíduos que não saberia diferenciar o real do imaginário. Justamente por isso, na presença de uma criança entrando na adolescência nós sabemos como lidar para demovê-la de crenças consideradas impróprias, e a um adulto que ainda tenha tais crenças, nós reputamos maluco, e temos a tendência de pensar que ele deveria ser interditado.

No caso dos tributos acontece também dessa forma. A sociedade em geral permite que ensinemos nossas crianças sobre a importância dos tributos, que elas confeccionem cartazes com frases contra a sonegação e os carreguem em desfiles na escola, ou mesmo que encenem o enforcamento de um sonegador representado como um Judas. Mas se ela quiser que seu pai pague os impostos corretamente possivelmente encontrará resistências reais pela frente. Ou seja, quando esta criança começar a participar do mundo adulto, ela rapidamente receberá sinais que a convencerá a descartar as ideias consideradas impróprias, tais como papai Noel, Coelhinho da Pascoa, Cegonhas carregando bebês e educação fiscal. É que o mundo adulto exige um pragmatismo que induz a abrir mão de tais ideias consideradas impróprias, e as pessoas em geral costumam perceber isso rapidamente, de modo a se enquadrar na chamada “normalidade”. Feito esse processo de transição, as pessoas remetem as crenças consideradas impróprias para o esquecimento, de modo que depois de algum tempo nem lembram mais que um dia acreditaram naquilo.

Talvez o leitor não perceba onde quero chegar, ache que estou “viajando na maionese”, ou mesmo que estou escrevendo apenas para causar polêmica. Mas, não é nada disso. O que ocorre é que passamos décadas a fio investindo tempo e dinheiro na educação fiscal com crianças, e nada mudou. Ou, mais propriamente, mudou sim: as pessoas a cada dia que passa tem uma ideia mais negativa em relação aos impostos. O que se ouve todos os dias é que pagamos muito, e não volta nada. E nenhum adulto se levanta para dizer que não é bem assim. O que aconteceu então com aquelas crianças que carregaram cartazes e enforcaram o Judas sonegador? Eu respondo: elas se tornaram adultas.

Basta uma vista de olhos no material da maioria dos programas de educação fiscal para ver que ele é pujante no ensino fundamental, mas tem extremas dificuldades de prosperar no ensino médio. Por que será ? Ora, é porque a mesma criança que aceita as ideias do programa, e carrega cartazes, e enforca o Judas sonegador, alguns anos depois torna-se crítica e com uma visão extremamente negativa dos tributos. E poucos professores se dispõe a defender os tributos contra uma sala de aula que diz que pagamos uma enormidade e tudo é desviado e mal aplicado. Até porque, no mais das vezes o professor é mal remunerado e, possivelmente, ele também pensa dessa forma. Treinar o professor para conhecer o Sistema Tributário Nacional e a aplicação dos recursos arrecadados, que para ele é uma teoria, não é suficiente contra um discurso de todos os dias, que diz que …..”pagamos muito, e não volta nada”. O discurso superficial da mídia é mais forte que o ensino formal, e penetra mais fundo nas pessoas, até por que ele diz subliminarmente algo que gostamos de ouvir: somos vítimas, merecemos bem mais do que nos dão, e que o futuro nos reserva essa justiça que não vemos no presente.

Contudo, se queremos de fato mudar as coisas, isso é possível, se conseguirmos compreender a questão. E não será usando as nossas adoráveis e indefesas crianças para defender aquilo que nós mesmos não acreditamos. Se a sociedade tem esta visão negativa em relação aos tributos, se nós entendemos que ela está equivocada, temos de tentar dialogar com o mundo adulto, por mais que isso seja desagradável no início. Pois as coisas chegaram a esse ponto justamente por não fazermos isso, e por ninguém fazer o contraponto quando se diz inverdades sobre os impostos e o retorno deles na sociedade brasileira. Nossas categorias são fechadas de mais em si mesmas, precisamos encarar de frente a sociedade e seu discurso depreciativo dos impostos e da esfera pública. De tal modo as coisas evoluíram neste particular que o assunto virou um verdadeiro “mingau quente”, o qual se deve comer pelas beiradas. Mas convenhamos, não é adequado nem eficiente que o sirvamos a nossas crianças.

Quem é ele:

João Batista Mezzomo

Nasceu em São Domingos do Sul, interior do Estado do Rio Grande do Sul, em 21/11/1959. Em 1979 mudou-se para Porto Alegre, onde cursou Engenharia Elétrica na UFRGS, tendo colado grau no ano de 1983. Em 1986 prestou concurso público para auditor tributário da Secretaria da Fazenda do Estado do Rio Grande do Sul, atividade que exerce até a presente data.

No ano de 2003 concluiu o curso de Filosofia na PUCRS, tendo sido aluno laureado, além de ter sido considerado, pelo DCE, o melhor aluno do curso no ano de 2002. É autor do livro “Quem tem ouvidos – Um salto do pensamento para o inconcebível”, publicado pela editora Besouro Box. É supervisor de Desenvolvimento Organizacional e Qualidade da SEFAZ-RS

 

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